12.9.07

Uma sessão calma

E cá estou eu assombrado, quero que eles se vão embora, um a um, que os últimos me deixem, deixando-me vazio, vazio e silencioso. São eles que murmuram o meu nome, me falam de mim, falam de um eu, vão falar disso com outros, que não acreditarão neles, ou acreditarão. São deles todas estas vozes, como um ruído de grilhetas na minha cabeça. Esta noite, o tribunal é nas profundezas desta noite abobadada, é aí que eu cumpro as funções de escrivão, sem compreender o que ouço, sem saber o que escrevo. Amanhã, será aí que se efecturá o concílio, será pedido por causa da minha alma, como pela alma de um morto, como pela alma de uma criança morta, na sua mãe morta, para não ir para o limbo, que beleza, a teologia. Será num outro anoitecer, tudo acontece ao anoitecer, mas a noite será a mesma, a noite também tem o seu anoitecer, a sua manhã e o seu anoitecer, que bela visão do espírito, é para me levar a acreditar que o dia está a chegar, o dia que dissipa os fantasmas. Agora aparecem pássaros, os primeiros pássaros, mas que história é esta, não te esqueças do ponto de interrogação. Deve ser o fim da sessão, foi uma sessão calma, no seu todo.

Samuel Beckett, Novelas e Textos para Nada