2.10.07

A saída

Canção da saída

Se não tens o que comer
como pretendes defender-te
é preciso transformar
todo o estado
até que tenhas o que comer
e então serás teu próprio convidado.

Quando não houver trabalho para ti
como terás de defender-te
é preciso transformar
todo o estado
até que sejas teu próprio empregador.
e então haverá trabalho para ti

se riem de tua fraqueza
como pretendes defender-te?
deves unir-te aos fracos.
e marcharem todos unidos.
então será uma grande força
e ninguém rirá.

Bertolt Brecht

12.9.07

Uma sessão calma

E cá estou eu assombrado, quero que eles se vão embora, um a um, que os últimos me deixem, deixando-me vazio, vazio e silencioso. São eles que murmuram o meu nome, me falam de mim, falam de um eu, vão falar disso com outros, que não acreditarão neles, ou acreditarão. São deles todas estas vozes, como um ruído de grilhetas na minha cabeça. Esta noite, o tribunal é nas profundezas desta noite abobadada, é aí que eu cumpro as funções de escrivão, sem compreender o que ouço, sem saber o que escrevo. Amanhã, será aí que se efecturá o concílio, será pedido por causa da minha alma, como pela alma de um morto, como pela alma de uma criança morta, na sua mãe morta, para não ir para o limbo, que beleza, a teologia. Será num outro anoitecer, tudo acontece ao anoitecer, mas a noite será a mesma, a noite também tem o seu anoitecer, a sua manhã e o seu anoitecer, que bela visão do espírito, é para me levar a acreditar que o dia está a chegar, o dia que dissipa os fantasmas. Agora aparecem pássaros, os primeiros pássaros, mas que história é esta, não te esqueças do ponto de interrogação. Deve ser o fim da sessão, foi uma sessão calma, no seu todo.

Samuel Beckett, Novelas e Textos para Nada

28.8.07

26.8.07

É p'ro creeeeeeeeeeedito!

Esta história do empréstimo ao estudante universitário, "automático", sem garantias, no valor máximo de 25 mil euros, é mais areira para os olhos lançada por este governo. É areia lançada com a retórica de que haverá "melhores condições de acesso ao ensino superior e mais condições de justiça social e igualdade de oportunidades", quando na realidade se somam sucessivos cortes nos orçamentos das universidades, as propinas não páram de subir (temos das mais altas da Europa, aliás!) e a acção social, como se sabe, é mísera e insuficiente para garantir a igualdade no acesso ao ensino superior.

Ao contrário do que já li por aí, não são os filhos dos ricos que se vão servir do crédito, são os pobres, os mais pobres, os que não têm outra hipótese, os que iludidos por uma solução facilitista vão hipotecar o futuro. É escandaloso que num país como o nosso, onde temos milhares de desempregados licenciados, onde os salários são baixíssimos, onde aos 30 e 40 anos há gente a morar em casa dos pais por não suportar as despesas de uma habitação própria, o governo crie um crédito com estas características. Um ano depois do curso terminado, o licenciado paga (e fazendo as contas, nunca será menos de 400 euros por mês!), quer tenha emprego quer não, num prazo de 6 anos, o preço por ter tirado um curso. Mesmo que tenha um emprego, não chega, não dá, pois ganha em média 700 euros, muitas vezes a recibo verde.

Continuamos a fazer as mesmas borradas do passado, continuamos a não investir nas pessoas, na formação, na educação, na investigação e na cultura! E quem se lixa são sempre os mesmos, os mais pobres, os cada vez mais pobres.

A última crónica


Desapareceu Eduardo Prado Coelho, é hora de revisitar, não vai haver mais, gostava de ir pela última página, era sempre por ali que começava, depois pelo meio e, agora mais difícil, não vai haver mais.

Ai que saudades!

21.8.07

Agosto

Agosto, aqui hoje o silêncio só perturbado quando queremos, quando nos fartamos do silêncio, quando é demais, quando é insuportável. As ervas crescem e dão conta das paredes, lá fora. Não vinha aqui há muito, apercebi-me. Comovedor. O quiosque distante percorrido para saber do mundo igualmente distante já não existe, agora vendem-se jornais com batatas. Nos carros de matrículas amarelas ninguém lê, gasta-se para o ano inteiro. Lá fora, crescem ervas e silvas que sobem a parede à altura da janela. Perturbo o silêncio. Quem se importa? Não quero pensar muito, é tarde, há vinho, brasas e frio lá fora e silvas e ervas que crescem. Não fosse a Maddie e não se passava nada este Agosto. Gosto, interesso-me todos os dias, leio com avidez, sabendo que nada se sabe e tudo se inventa, como é bom dar isso por certo, isso e o Eurostat e nós nas piores estatísticas a 15 ou a 27, tanto faz. Tenho pensado em ir, em ir para qualquer lado, estaria melhor do que aqui à procura de uma ideia milagrosa para sobreviver, este Agosto, aqui, onde crescem ervas e não se passa. “Eu teria amado os homens apesar do que são” disse Rousseau e está tudo dito.

13.8.07

Coimbra


[Excertos]


"Nenhuma outra cidade como Coimbra testemunha tão completamente, na sua pobreza arquitectónica, na sua graça feita de remendos e pitoresco, nos seus recantos sujos e secretos, os limites da nossa capacidade criadora, a solidão da nossa alma, e o jeito camponês com que nascemos para tirar efeitos cénicos do próprio gesto de erguer uma videira."

"Na índole do que ensina, existe, persiste, a marca das coisas cabeçudas e provincianas. O tratado reduz-se a sebenta, a tradição a praxe, o saber a erudição. Não há um invento, uma ideia, uma teoria que tenha nascido ali. Mas nem os inventos, nem as ideias, nem as teorias são necessárias a uma Universidade que se basta no simples facto de o parecer aos olhos da ignorância colectiva. Por isso se defende com unhas e dentes de toda a originalidade, de todo o pensamento subversivo, recusando-se obstinamente a pôr de lado a borla e o capelo da mistificação, e a abrir nos seus muros medievais um postigo sequer que deixe entrar qualquer luz actual. Seria o pânico, a catástrofe, a desautorização. E sempre que algum reformador exaltado faz obras e remove estatutos, o instinto de conservação repõe sornamente o musgo secular nas cátedras da sapiência."

Miguel Torga, Portugal

Palavras-de-pedra que nos ficam.

8.8.07


Aos loucos chega do céu uma só luz que causa dano
e se abriga nas suas cabeças formando um ninho de
serpentes
onde invocar o destino dos pássaros
cuja cabeça leis desconhecidas para o homem regem
e que governam também este trágico bordel
onde as almas se acariciam com o beijo da porca,
e a vida treme nos lábios como uma flor
que o vento mais sedento empurrara sem cessar
pelo chão
donde se conclui o que é a vida do homem.

Leopoldo María Panero, Poemas do manicómio de Mondragón

e pintura de Mário Botas, Auto-Retrato

31.7.07

Ou nós, os portugueses

"Em geral, nós, os russos, não fomos feitos para reuniões representativas. Em todas as nossas reuniões, desde o ajuntamento camponês até aos comités científicos de todo o género e outros, se não estiver ninguém à cabeça para gerir tudo, a confusão será sensível. É difícil dizer por que tal acontece: pelos vistos, é assim o feitio do nosso povo. Apenas são bem sucedidas as assembleias reunidas para festejar alguma coisa ou para comer, isto é, os clubes e os vauxhall à moda alemã. A disposição para fazer coisas, porém, existe certamente entre nós. Basta um súbito sopro de vento e logo organizamos sociedades de caridade, de incentivo e não sei que mais. O objectivo será maravilhoso, mas nada resultará. Talvez porque, de repente, logo no princípio nos demos por satisfeitos e achemos que já está tudo feito. Por exemplo, já temos nos cofres as consideráveis verbas doadas para organizar uma sociedade de beneficiência a favor dos pobres: para comemorar um acto tão louvável, oferecemos a todos os primeiros dignitários da cidade, de imediato, um almoço que obviamente nos leva metade do dinheiro do doado; com o restante, aluga-se um local excelente para a comissão, com aquecimento e guardas, e no fim restam cinco rublos e cinquenta copeques para os pobres, sobre os quais nem sempre todos os membros organizadores estão de acordo quanto à sua distribuição, já que há sempre alguém que faz passar à frente de todos uma comadre sua."
Nikolai Gógol, Almas Mortas

24.7.07

Propaganda

Aqui há dias foram os velhotes de Cabeceiras, sem saberem ao que iam, enfiados no autocarro rumo à capital. Agora são os miúdos figurinos que ganharam 30 euros em mais uma anunciação milagrosa para a educação.

Está bom de ver que no próximo cortejo ministerial haverá um "extra" para quem cumprir o papel direitinho e não abrir a boca às perguntas maldosas dos jornalistas. A máquina aperfeiçoa-se...

21.7.07

Mau, Mau, Mau

Factos:

1. Estudantes de Coimbra entregam ao PS um caixão para fazer o funeral anunciado do Ensino Superior. Só me admira os estudantes não se terem medito dentro do caixão. De resto, o PS agradece.

2. Alberto Martins. Antes, muito antes: símbolo da Crise Académica de 69. Hoje: líder dos cães-de-fila que votaram a lei.

3. Vítor Hugo Salgado (o Dodot, lembram-se?). Antes, ainda há pouco: Presidente da Associação Académica de Coimbra. Hoje: ratinho amestrado da bancada do líder dos cães-de-fila que votaram a lei.

4. E uma lei má demais para ser verdade. Infelizmente é.

20.7.07

Fúria

Tem oito carimbos a tinta preta de «Censura n.º 39», um a tinta vermelha «Censurado n.º 85» e três etiquetas autocolantes, que fechavam todas as margens, com letras garrafais impressas a preto «Aberto pela censura».

Biblioteca Nacional de Portugal

19.7.07

"parece-me estar definitivamente assente que as crianças de tenra idade e as crias dos animais mamam em tudo o que lhes venha à boca, devendo-se, pois, ensiná-las a mamar no devido lugar."
Lord Raglan

18.7.07

Paula Rego, "The Barn", 1994

Celeiro da alma, desejo infantil escondido, o seio, a teta, a mama omnipresente, deleite.

13.7.07

Idiotia

A propósito de idiotas, lembrei-me por causa do indígena de lisboa [VPV] hoje no "Público", quero deixar-vos esta belíssima descrição:

"Os idiotas têm sensibilidade rudimentar e pervertida, podem meter na boca tudo o que lhes aparece, mesmos as coisas mais nojentas. Não são capazes de ter atenção activa e, quando muito, a atenção pode ser atraída pelas impressões do momento e é fugaz. A fixação das recordações e a memória são rudimentares, porque as lembranças não coordenadas e não reinvocadas acabam por se esvair. Os seus conhecimentos não vão além daquilo que repetidamente chega aos seus sentidos e trata-se de um conhecimento mais do que superficial. Estão privados de crítica, de juízo, de conceitos. Os idiotas inferiores não são capazes de se exprimir com palavras ou exprimem-se com sons inarticulados ou com uma ou outra palavra estropiada. Alguns idiotas inferiores não são sequer capazes de rir ou de chorar e os seus desejos limitam-se à satisfação das necessidades fisiológicas. Estão quase sempre sujos: a saliva e o muco nasal sujam as roupas."

in Dicionário de Psicopatologia Forense

11.7.07

Flexisegurança ou simplesmente flexibufanço*?

Não percebo, farto-me de andar às voltas com isto e não percebo, é que flexi… há-a aos montes e por todo o lado desde que leis boas e más, mais más neste momento, se fazem e não se cumprem neste país. De que se queixam os cães gordos? A começar pelo patrão-Estado e indo por aí fora aos pequenos, médios e alarvemente grandes empresários, todos trazem na ponta dos dedos os trabalhadores, que não conhecem a segurança, agora feita rebuçado, p’ros calar.

Só quem nunca andou horas a fio nos corredores da segurança social, das finanças e dos centros de emprego é que não sabe que a “protecção social” em Portugal é uma “alucinação” dos senhores que percorrem outros corredores, esses sim, batidíssimos em flexisegurança: de presidente da junta para vereador, de vereador e, passando por alguma empresa municipal, para deputado da nação, de deputado para secretário de estado ou chefe de gabinete ou assessor, daí para ministro e de ministro, com provas dadas em má gestão e compadrio, para presidente de algum importante organismo nacional ou internacional ou mesmo para testa-de-ferro dalgum desses grandes monopólios.

Ora, não nos enganem! A flexisegurança não quer dizer nada, não existe e nunca vai aterrar na OTA!

*Flexibufanço, que se ponha no dicionário, como a nova política laboral dos tempos da outra senhora posta em prática de maneira efectiva e não desmentida pelo XVII Governo Constitucional.

O calor consola-me tanto que me mata.
Tenho que agarrar o vento para que não me falte o ar. Circular o Calor.
"Yet held I not this very wind - bound fast
Within the castle of my soul I would
For very faintness at her parting, die"
Ezra Pound
Mas as minhas mãos são torradas com suor.
(suor meio-sal por causa do coração).
Fico com as palavras - valiosas como senhas de cantina.
Pronto.
Vou ao Chinês comprar uma ventoinha.

4.7.07

Dúvidas que me infernizam neste dia da Rainha Santa Isabel

- A Rainha usava saltos altos?

- Se sim quem os fazia? E quem os desenhava?

- Ela tornou-se Santa porque enganava o marido? Ou porque teve a colaboração de Deus nessa tarefa?

- De que cor eram as rosas?

- No meio das rosas não haveria migalhas, ou farinha?

- Porque é que dava pão quando, certamente, teria lombos de boi na mesa?

Alguém me ajude, estas dúvidas são torturas para a minha pobre cabecinha.

O milagre de desobedecer ao marido


- Que tendes no vosso regaço?
- São rosas, senhor.

3.7.07

Abençoado clima


Que inferno! Não há sol, não há calor, só esta chuva-molha-tolos, o ar abafado e o céu que não desanuvia. /Não, não menina! O clima está muito bem para o clima que se vive no país do respeitinho, tudo em consonância, tudo morno, ninguém mija fora do penico e além do mais o sol faz mal à cabeça. /Além do mais é o ministeriado que se fica a rir, pois já ardeu não sei quantas vezes menos do que nos anos anteriores. / P'ra quem ficam os louros?
São de merda as correias com que me prendo neste inferninho. São as merdas de cada dia, cada vez mais dia, cada dia mais merda. Este blog é para falar de correias em correntes palavras-frases que não me saem da garganta. Talvez saiam pelos dedos…

27.6.07

Dediquemo-nos ao asco com prazer

Dizia Baudelaire...

É impossível percorrer uma qualquer gazeta, seja de que dia for, ou de que mês, ou de que ano, sem aí encontrar, em cada linha, os sinais da perversidade humana mais espantosa, ao mesmo tempo que as presunções mais surpreendentes de probidade, de bondade, de caridade, a as afirmações mais descaradas, relativas ao progresso e à civilização.
Qualquer jornal, da primeira linha à última, não passa de um tecido de horrores. Guerras, crimes, roubos, impudicícias, torturas, crimes dos príncipes, crimes das nações, crimes dos particulares, uma embriaguez de atrocidade universal.
E é com este repugnante aperitivo que o homem civilizado acompanha a sua refeição de todas as manhãs. Tudo, neste mundo, transpira o crime: o jornal, a muralha e o rosto do homem.
Não compreendo que uma mão pura possa tocar num jornal sem uma convulsão de asco.

26.6.07

...

inferninho de merda para escrever sobre todas as merdas que nos infernizam.